Ireneu Barreto: "A discussão em torno das competências do Estado e das Regiões Autónomas respeitantes à gestão do domínio público marítimo não se encontra totalmente encerrada".

O Representante da República para a Madeira considerou hoje, no encerramento da Conferência da Ordem dos Engenheiros
“PORTUGAL E O MAR - A ENGENHARIA AZUL” , que se mostra "cada vez mais necessário proceder à clarificação das competências das Regiões Autónomas sobre a gestão do domínio público marítimo.".
Ireneu Barreto disse que "sem colocar em causa a integridade e a soberania do Estado, mas também sem ceder a tentações de centralismo. É, portanto, tal como este mar que nos banha, um tema vivo, ao qual devemos a nossa melhor atenção.
Encaminho-me para o fim da minha intervenção. E queria terminar recuperando a ideia com a qual comecei. Uma ilha só está cercada pelo mar se se render ao fatalismo da sua condição de insularidade.
Ao invés, se se entender o mar não como uma barreira, mas como uma fonte rica em recursos e biodiversidade, como uma via de comunicação, como ficou amplamente demonstrado nesta Conferência, então uma ilha pode estar mais perto de tudo.".
Ireneu Barreto lembra que "bem entrados no século XXI, creio que o esforço pela salvaguarda dos ecossistemas e da biodiversidade tem de ser uma prioridade de todos, em particular dos que maiores responsabilidades têm. Coloco nesta esfera não apenas agentes públicos, mas também os que na atividade privada podem – e devem – contribuir para a defesa do meio-ambiente.
No que diz respeito aos responsáveis públicos, cada qual não deve olvidar o que aos níveis local, regional ou nacional lhe caiba fazer para a proteção da nossa casa comum.
Na Região Autónoma da Madeira, o alargamento da proteção em torno das Ilhas Selvagens constitui mais um passo nesse sentido. Passo que não pode deixar de ser aplaudido.
E se chamei à colação os diferentes níveis de governação, fi-lo porque a discussão em torno das competências do Estado e das Regiões Autónomas respeitantes à gestão do domínio público marítimo não se encontra totalmente encerrada".
Refiro-me, naturalmente, aos impactos do Acórdão n.º 484/2022, do Tribunal Constitucional, que deliberou sobre a constitucionalidade de uma norma da Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional.
A norma em questão, introduzida na referida lei no seguimento de uma alteração legislativa de janeiro de 2021, dispunha que «[o]s instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional que respeitem à plataforma continental para além das 200 milhas marítimas são elaborados e aprovados pelo Governo (leia-se, Governo da República), mediante a emissão de parecer obrigatório e vinculativo (sublinho) das regiões autónomas, salvo nas matérias relativas à integridade e soberania do Estado.»
Face à versão originária da lei – que previa uma mera auscultação das Regiões – a Lei n.º 1/2021, de 11 de janeiro, e particularmente tal norma, marcariam um avanço nas competências regionais.
Como é sabido, o Tribunal Constitucional veio a julgar inconstitucional a disposição em causa.
Entenderam os Senhores Juízes Conselheiros que a redação da referida norma comprometia e punha em causa o exercício do poder de ordenamento do espaço marítimo nacional. Acrescentam que este poder pertence, por inerência, ao titular do domínio público marítimo, ou seja, ao Estado.
Não entrarei nesta ocasião em detalhes que aqui não cabem quanto ao estatuto de dominialidade a atribuir às diferentes zonas marítimas – incluindo o mar territorial, a zona económica exclusiva e a plataforma continental – e o âmbito das competências respeitantes a tais zonas que podem ser atribuídas às Regiões, por oposição às que devem ser retidas pelo Estado.
Mas entendo chamar a atenção para o facto de o mencionado Acórdão n.º 484/2022 não ter sido subscrito unanimemente pelos Senhores Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional.
E porque ajuda a ilustrar o entendimento de que a mencionada repartição de competências não é um tema encerrado, atrevo-me a citar uma das declarações de voto de vencido, a do seu Presidente:
«Na minha maneira de ver, é perfeitamente justificado o reforço de poderes das regiões autónomas no que toca ao ordenamento do espaço marítimo nacional, cuja dimensão, várias vezes superior à do território nacional, se fica a dever, em larguíssima medida, à existência e localização dos Açores e da Madeira.».
Sublinho que esta é também a minha maneira de ver.
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