Henrique Correia
A degradação da vida pública pelo fraco escrutínio e pelo forte medíocre
Não votando, não escrutinando, não percebendo nada do que se passa à volta e respetivas consequências, como é que a população quer boas decisões e gente de elevado caráter?

A degradação da vida pública portuguesa tem vindo a ser registada com maior incidência nos últimos anos, mas é um processo que vinha dando indícios há muito tempo até esta descida vertiginosa que está a contagiar até os mais ponderados. O País "arrasta-se", os partidos já se "arrastaram" há muito tempo e a excessiva partidarização da vida pública acabou por fazer emergir o pior e submergir o melhor. Um claro nivelamento por baixo e um prémio à mediocridade, salvo as exceções.
Esta situação decorre de duas realidades muito concretas: por um lado, uma exigência nos mínimos por parte das pessoas, um desinteresse generalizado, um fraco escrutínio por força dessa "iliteracia" um pouco geral, por outro um quadro de recrutamento político muito curto, que acaba por resultar em escolhas de menos maus e, consequentemente, com reflexo nas políticas, nos procedimentos, na estatura humana e logicamente na estatura de serviço público. Mais ou menos quem não tem, não pode dar.
Um povo que não se interessa com o futuro do seu País, não estará certamente à espera de governos que se interessem pelo povo. E depois, não votando, não escrutinando, não percebendo nada do que se passa à volta e respetivas consequências, como é que a população quer boas decisões e gente de elevado caráter? Uma miragem, sem dúvida. No fundo, temos o que merecemos pela qualidade interpretativa e decisória que não temos.
Depois, os governos perceberam esta fraca exigência de escrutínio, a apetência do euro, a carência dos cêntimos e a eterna esperança na "esmola", aquilo a que se traduz pela subsídiodependência. Um clima propício à ajuda com retorno, sendo que o retorno será o voto.
E perceberam bem, cá e lá, mais cá porque o mesmo governo está a governar gerações, nunca se soube outra coisa e o que se vê à volta também poderia não ser diferente. Era certamente outra coisa, não necessariamente diferente. Mas décadas do mesmo partido, criaram raízes muito difíceis de desmontar.
Mas a verdade é que o rol de apoios, o pagamento da sobrevivência dos jornais, o pagamento de associações, clubes, agremiações de bairro, estruturas estudantis, eventos, passeios, concertos, casas do povo, individualmente e na associação que "manda" nelas todas. Tudo o que mexe, na Cultura, no Desporto, no lazer, tem apoio do Governo acumulando com os apoios das câmaras, não obstante o autarca do Funchal ter defendido recentemente a necessidade de uma maior articulação para evitar duplicação de ajudas.
Seja como for, faz-se pouca coisa na Madeira que não tenha apoio oficial. É uma norma, há muitocem vigor, que naturalmente cria dependências indiretas sem que isso represente qualquer ilegalidade. É uma dependência e pronto, com os efeitos de uma dependência. Se passarmos isto por gerações, compreende-se o que se passa ao nível dessas mesmas dependências. E isso não significa que não possamos reconhecer obra feita por parte do Executivo de Albuquerque, em diversos sentidos. Há trabalho e há dependências. E o poder económico tem um peso excessivo relativamente ao poder político. É o que é. É a Madeira tal qual a conhecemos. Há gerações que não conhecem outra coisa. E por este andar, não vão conhecer nos próximos tempos.