Já morreram este ano em Portugal, até hoje, 26 de junho, 17 mulheres vítimas de violência doméstica. A sociedade só vai lamentar o que lamenta desde sempre. O assobio para o lado parece que abafa o ruído...
Foto Jornal Universitário do Porto.
Se ele lhe bateu é porque ela fez qualquer coisa. Se leva um piropo na rua é porque vai vestida de uma forma que está a pedir. Uma sociedade que vê a mulher desta forma, e a nossa sociedade vê, não tem capacidade para resolver um dos maiores problemas que hoje enfrentamos, transversal a ditas classes sociais, abrangente relativamente a núcleos habitacionais distintos, não tem cara nem tem cor. Ou tem, tem a cara da violência doméstica e a cor da morte em muitos casos, muitos mesmo. Este ano, no País, já morreram 17 pessoas e ainda nem completamos meio ano. Já ultrapassámos os números de todo o ano de 2021. E continuamos na mesma, assobiando para o lado e achando que a mulher é como se fosse um bem imóvel da relação. É triste ver isso, mas é isso que sevl vê todos os dias.
A violência doméstica, que depois arrasta-se para as crianças, outro flagelo, como aliás dá expressão o mais recente caso que levou à morte de uma menina de 3 anos num processo que, na génese, tem episódios de violência doméstica grave, tem ramificações infindáveis em diversos setores de uma sociedade doente de valores, carente de princípios e com uma demonstração fria relativamente à vida e ao papel diferenciador do homem e da mulher, não de género apenas, mas de espaço no contexto da vida, em que um domina e outro é dominado. A morte é apenas o resultado da dimensão que o problema atinge, mas porque a sociedade admite que o problema exista numa espécie de "fase normal". Um entendimento que atinge a Justiça, a Política, as polícias que desvalorizam as queixas, a população que relativiza e só se indigna quando alguém perde a vida.
Somos de um atraso civilizacional gigantesco a este nível. E enquanto não houver uma revolução de mentalidades, que puna a violência doméstica de forma exemplar, quer envolvendo vítimas mulheres, quer envolvendo vítimas homens, que há também, embora em menor escala, não poderemos ter uma sociedade solidária, justa e capaz de sobrepor os valores da vida à vida sem valores que diariamente nos passa ao lado.
Mais do que o Dia da Mulher, das flores de circunstância, das importâncias conjunturais, mais do que as quotas, por si só um procedimento discriminatório por admitir que sem decreto nãovamos lá, mais do que tudo isso, é preciso normalizar esse padrão de entendimento em que se instale uma realidade de tratamento igual na diferença entre pessoas e não na diferença de género.
Falar e escrever é fácil. Se calhar, chegamos a dezembro e temos mais 17 mulheres mortas em quadro de violência doméstica, tantas quantas as vidas perdidas desde 1 de janeiro até hoje. Mas lá, neste final de ano, tal como hoje, a sociedade só vai lamentar o que lamenta desde sempre. O assobio para o lado parece que abafa o ruído...
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