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  • Foto do escritorHenrique Correia

Comissão recomenda à Igreja Católica uma cultura de respeito pelas crianças



"Muitas daquelas pessoas abusadoras, que assim foram referenciadas, ainda permanecem em atividade eclesiástica". Casos no Funchal, Câmara de Lobos e Machico.




"Os abusos sexuais de crianças na Igreja Católica portuguesa existiram no

passado e existem ainda no presente. Portugal não é um caso à parte nem um

oásis, face a outros países onde este tipo de estudo já foi realizado e a realidade

posta a nu. As 512 vítimas diretas põem-nos no encalço de, pelo menos, outras

4300 e, se pensarmos que os abusos aconteciam, na esmagadora maioria dos

casos, muito mais do que uma vez sobre a mesma criança, levam-nos a muitos

milhares de abusos praticados. Encontrámos, no tempo e no espaço, uma notável

diversidade de contextos em que aqueles aconteceram; e ilustrámos como a

intensidade traumática dessas situações permanece sob diversas formas até aos

dias de hoje".

Esta é apenas uma pequena passagem do relatório final da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, divulgado ao início da tarde no site da Comissão Dar Voz ao Silêncio.

Com este estudo, a Comissão "conseguiu captar a ponta de vários icebergs respeitantes a vertentes deste fenómeno, vividos em certos tempos históricos e lugares institucionais".

O documento refere terem existido "todas as modalidades de abuso descritas na atual Lei Penal", reforça que foram encontradas

na amostra, "desde as menos invasivas às mais invasivas, embora estas acabassem

por ser, relativamente às outras, predominantes. As modalidades do abuso não se distribuem estatisticamente ao acaso: dependem do tempo em que ocorreram,

de lugares/espaços, de perfis de vítimas e de suas famílias, de perfis de pessoas

abusadoras, no caso esmagadoramente padres, e pertencentes a franjas etárias

distintas.".

Entre as muitas recomendações, a Comissão aponta o reconhecimento da Igreja

Católica portuguesa, "da existência de abusos sexuais de crianças, cometidos por um número significativo de membros seus, dos quais o presente Estudo revela apenas uma muito pequena parte. Na mesma linha se sugere a edificação de uma cultura que privilegie, no interior da Igreja e em todos os degraus da hierarquia, o conhecimento aprofundado e o respeito pelos direitos humanos em geral e pelos direitos da criança em particular, enquanto direitos das pessoas".

A Comissão sublinha que "num tratamento estatístico mais sofisticado, propusemos uma cartografia espacial do abuso, na qual é possível detetar tendências muito significativas, estruturadas em torno de dois eixos: o primeiro, claramente associado a um

contraste entre os espaços da ação ou errância quotidianas dos sacerdotes (ex.:

confessionário, sacristia) e os espaços de retiro, dormida, reclusão ou isolamento

das crianças (ex.: seminários, colégios internos, instituições de acolhimento de

crianças); o segundo, que contrasta situações de abuso ocorridas em espaços coletivos com abertura à comunidade (ex.: colégios católicos) com situações ocorridas nos espaços privativos da pessoa abusadora (ex.: casa paroquial, carro do sacerdote). Muitas daquelas pessoas abusadoras, que assim foram referenciadas, ainda permanecem em atividade eclesiástica".

A distribuição residencial atual das vítimas por concelhos do continente, reforça a noção de que as mesmas se concentram nas áreas metropolitanas e no litoral. Os dez concelhos com mais pessoas abusadas que responderam ao inquérito são: Lisboa (64),

Porto (27), Cascais (23), Oeiras (15), Braga (14), Almada (13), Sintra (13), Loures (11), Vila

Nova de Gaia (11), Coimbra (10). Existem pessoas vítimas a residir em 106 dos 278 concelhos de Portugal Continental. A estes juntam-se pessoas residentes em três concelhos da Região Autónoma dos Açores (Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Velas) e um da Região Autónoma da Madeira (Funchal). Em 29 casos, as pessoas vítimas não forneceram informações suficientes para identificar o concelho onde residem.

Predomina o género masculino, num total de 57,2% dos casos, sobre 42,2% do feminino (o que, numa ótica comparativa com estudos similares, é uma percentagem muito alta); a idade atual média desta população é de 52,4 anos; 88,5% das vítimas vivem em território nacional, mas chegaram também testemunhos de pessoas que vivem agora na Europa Ocidental, continentes americano e africano; em Portugal, os cinco distritos com mais depoentes são, por ordem decrescente: Lisboa, Porto, Braga, Setúbal e Leiria; 53% da população participante é católica, 25,8% de praticantes; 40,9% são casados e 60% têm filhos (média de 1,99 por casal); 32,4% dos respondentes são licenciados, 12,9% possuem mestrado; as profissões dominantes são as de «especialistas

de áreas intelectuais e científicas», o que comprova a natureza enviesada da amostra.

Ao tempo do primeiro abuso, 58,6% das crianças vítimas residiam com os pais,

sendo que a esmagadora maioria vivia em núcleos familiares de «casal com filhos»

(54,9%); cerca de 1 em cada 5 vítimas vivia num contexto institucional e 7,8% em

arranjos monoparentais.

A maior percentagem de crianças foi abusada entre os 10 e os 14 anos de idade, sendo a média de 11,2 anos. Há diferenças entre raparigas e rapazes: 11,7 anos vs. 10,5 anos.

No tempo, o maior número de abusos sexuais situa-se no intervalo entre o início da década de 1960 e 1990, em que estão referenciados 58,3% dos testemunhos. De 1991 até hoje, concentram-se 21,9% das situações. Ao longo das décadas existe um aumento da idade da primeira situação de abuso.

Quanto aos locais mais comuns de abuso, destacam-se por ordem decrescente:

seminários (23% dos casos), igreja sem outra especificação (18,8%), confessionário

(14,3%), casa paroquial (12,9%) e escola religiosa (6,9%). Ao longo das décadas existe um declínio dos seminários enquanto local preferencial; surgem picos de casos em locais externos à igreja, como nos agrupamentos de escuteiros, entre os anos de 1991 e 2010.

Quanto à frequência dos abusos, em 57,2% dos depoimentos estes ocorrem mais

do que uma vez. «Mais do que um ano» foi o tempo de duração referido por 27,5% dos

respondentes: os abusos são múltiplos e continuados. O seu final é descrito como

ocorrendo por «afastamento da vítima» do local e/ou da pessoa em causa (31,6%),

seguindo-se a referência a «maior capacidade de defesa física e psicológica» da vítima em 31,4% das situações.

Os 10 concelhos com mais casos são: Lisboa (63), Porto (35), Braga (23), Coimbra (14), Cascais (13), Funchal (12, não presente no mapa), Vila Nova de Famalicão (10), Leiria (9), Loures (9), Oeiras (9) e Sintra (9). Ainda com mais de 5 casos encontramos Barcelos, Guimarães e Setúbal (cada um com 8 casos) e Alcobaça, Ourém, Viana do Castelo e Vila Real (com 7 casos cada). Há registo de abusos em oito concelhos da Região

Autónoma dos Açores (Angra do Heroísmo, 1 caso; Calheta de São Jorge, 1 caso; Faial, 1

caso; Lages do Pico, 1 caso; Praia da Vitória, 1 caso; São Roque do Pico, 1 caso; Velas, 2

casos) e 14 casos em três concelhos da Região Autónoma da Madeira (Funchal, 12 casos; Câmara de Lobos, 1 caso; Machico, 1 caso)

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