DN Lisboa faz reportagem da "pobreza" na Madeira, amplificada no Bom Dia da RTP. Mas é preciso atender aos defeitos e às virtudes da Autonomia, aos defeitos e às virtudes de um poder único, em Democracia, de quase 50 anos de governação. A análise não deve ser só partidária.
Dos 250 744 habitantes da Região Autónoma da Madeira, 10 433 não sabem ler nem escrever. 16,5% da população tem o ensino superior. Muitos trabalham mas mesmo assim correm riscos de pobreza. 40% dos madeirenses não pagam IRS, porque o seu rendimento os isenta disso,
É este o quadro que o Diário de Notícias de Lisboa "pinta" sobre a Madeira, em vésperasnuma reportagem com o título "As outras ilhas dentro da ilha". Um quadro que esta manhã foi amplificado no espaço "Bom Dia" da RTP1 pelo comentário habitual da professora universitária Felisbela Lopes. O País leu, viu e ouviu.
Dito assim, com estes dados, ou melhor, escrito assim como está, as "ilhas" dentro da ilha colocam a Madeira num patamar de terceiro mundo global. E não é, na totalidade, com aquele enquadramento que confunde a dialética política com a realidade e coloca a Região num patamar preocupante do desenvolvimento.
O jornal da capital portuguesa refere "as "desigualdades" numa região que tem a maior taxa de risco de pobreza ou de exclusão social e o pior poder de compra do país. As polémicas políticas e a realidade de quem não vive na cidade dos turistas". Com declarações de Edgar Silva, Sérgio Gonçalves e Nuno Morna, com posições de Miguel Albuquerque e Rui Barreto, uma conjugação que no produto final põe a Madeira mal vista e a governação do PSD, de meio século, em plano negativo.
De toda a oposição, há dados que preocupam e que, infelizmente, correspondem a contextos reais. Edgar Silva: "Taxa de risco de pobreza ou de exclusão social na Madeira, a maior do país, é de 30,2% num universo de 250 mil habitantes"; Sérgio Gonçalves: "Na população empregada, um em cada cinco, mesmo trabalhando, corre o risco de ser pobre"; Nuno Morna: "Uma vez que mais de 40% dos madeirenses não pagam IRS, porque o seu rendimento os isenta disso, não é difícil calcular que a esmagadora maioria desses o que ganham é ordenado mínimo".
Claro que em vésperas de eleições, é sempre um contexto propício ao exercício da política partidária. Os partidos do governo expõem os feitos, a oposição os defeitos; os partidos do governo apontam as virtudes do desenvolvimento assentes num princípio lógico de apoio às empresas para a criação de emprego e a transição digital como o paraíso que em poucos anos vai ultrapassar as receitas do Turismo; a oposição aponta as
desigualdades do processo de desenvolvimento e a criação de emprego com precariedade e ordenados mínimos, numa visão de nivelamento por baixo que coloca a Madeira a várias velocidades.
Miguel Albuquerque tem explicado estes números da pobreza com critérios que distorcem a realidade. Diz, por exemplo, comp refere o DN Lisboa, que "há ainda um conjunto de população, sobretudo mais idosa, que não descontou para a Segurança Social, que tem reformas baixas, que ainda são do tempo pré-autonomia". Pode ser mas não explica tudo.
Para sermos realistas e justos, não podemos ter em conta, em exclusivo, a visão partidária, não obstante a existência real do que é traçado pelas oposições, mas que não devem ofuscar o que efetivamente tem sido feito de positivo na Região desde a Autonomia. É preciso, por isso, atender aos defeitos e às virtudes da Autonomia, aos defeitos e às virtudes de um poder único, em Democracia, de quase 50 anos de governação.
A Madeira tem desenvolvimento registado, em vários domínios, tem a economia a funcionar e até apresenta um baixo desemprego "oficial" que resulta do "boom" na construção e no Turismo, cujos números e realidade traduzem uma evolução que porventura está a deixar dúvidas sobre a capacidade dos servo para este volume de visitantes. Tem melhores acessibilidades, tem neste momento uma boa oferta de transportes aéreos, o que não acontece com os transportes marítimos de passageiros. Tem a Universidade, tem uma aposta no digital, tem a captação dos nómadas digitais, tem rede para idosos, está a tentar reagir à sua própria estratégia de fomentar o luxo do imobiliário para asfixiar o acesso de casa aos jovens casais e à classe média. Agora, corre atrás do prejuízo à conta do PRR para fazer 800 casas a renda acessível e em pouco tempo já tinha 500 inscritos na lista. O que faz 800 casas parecerem uma gota de água neste "mar".
Agora, o outro lado, as "ilhas" de que fala a reportagem, processo acelerado também pelas conjunturas internacionais. A Madeira não conseguiu resolver os níveis de pobreza, as bolsas persistentes, sendo que sem os apoios, que em alguns casos são grandes, o problema ainda seria mais grave. As zonas altas continuam sendo o núcleo de maior preocupação e os casos mais problemáticos já deveriam ter sido resolvidos em tantos anos de Autonomia, da mesma forma que não se entende que ainda existam situações por resolver do 20 de fevereiro de 2010, há treze anos.
Mas estas diferenças de velocidade, as desigualdades ainda existentes, tem um fenómeno associado, as bolsas de influência que uma governação de quase 50 anos traz em qualquer parte do mundo e logicamente num meio pequeno como a Madeira. A oposição fala em política para amigos, mas a verdade é que numa ação governativa que atravessa gerações criam-se cumplicidades, não necessariamente corruptas, mas de ligações próximas, às vezes de pais para filhos e agora até para netos, que vão criando um "mundo" próprio e uma velocidade diferente das outras. Mete militantes misturados com trabalhadores, mete tudo no mesmo "saco" quando é preciso. É mau porque acentua a diferença de velocidades, mas é normal numa conjuntura política com estas caraterísticas. Onde o Governo é (quase) tudo.
A Democracia pode ser muita coisa...
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