"É um bom exemplo de arquitectura privada do final do século XIX, princípios do século XX, sólido e muito equilibrado, de que já restam poucos exemplares no centro do Funchal".


Manuela Aranha: em 2014, por ocasião do Dia de Portugal foi-lhe concedido pelo então Presidente da República Cavaco Silva o grau de comendador da Ordem do Mérito.
As antigas instalações do Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis (FAOJ), na Rua 31 de janeiro, já têm projeto apresentado com um figurino dito inovador com nome internacional: “Living Studios 31 de Janeiro.
O projecto do Governo Regional tem um público definido: jovens, solteiros, casados, estudantes deslocados ou até estrangeiros, incluindo investigadores e professores e são 88 camas, distribuídas por diversas tipologias, desde quartos simples, duplos, e estúdios.
O histórico edifício, na sua nova "valência", incluirá também outras facilidades, tais como salas de estudo, cozinhas comuns, lavandaria, refeitório, ginásio, e lounge de convívio, bem como uma área ao ar livre com zona desportiva.
Pois bem, é este projeto a instalar num património da Região que suscitou uma onda de críticas por parte de historiadores, de organizações cívicas e, agora também, mereceu uma votação na Assembleia Regional quando o JPP viu aprovada uma proposta que tem por objetivo principal impedir a demolição uma Quinta icónica do Século XIX conhecida como "antiga FAOJ". A proposta passou com os votos favoráveis do JPP, PS, Iniciativa Liberal e CDU, votos contra do Chega e abstenção do PSD, CDS e PAN. A abstenção do PSD/CDS/PAN significa que, afinal, a maioria também tem dúvidas sobre os efeitos do novo projeto, sendo que será este um indicador que o mesmo não vai avançar na exata medida do apresentado.
Numa achega importante ao vasto conjunto de reações, a antiga diretora regional da Cultura Manuela Aranha, escreve uma carta do leitor, no DN Funchal, onde questiona: "Qual a razão desta demolição? Qual o interesse de destruir o nosso património arquitectónico, principalmente quando está em boas condições?".
Aquele edifício, continua Manuela Aranha, diretora da Cultura durante 12 anos, "é um bom exemplo de arquitectura privada do final do século XIX, princípios do século XX, sólido e muito equilibrado, de que já restam poucos exemplares no centro do Funchal.
Ali não se trata de um espaço vazio, valioso pela sua localização e cuja rendibilidade pode ser multiplicada muitas vezes com uma nova construção. É sim um espaço edificado, de valor patrimonial muito mais elevado do que qualquer vulgar edifício de andares, igual a tantos outros e que não marcam uma cidade. Será que o Governo Regional tem todos os seus serviços alojados em património da Região? Pode não ser adequado para o Laboratório Regional de Saúde Pública, mas por favor, não o deitem abaixo e dêem-lhe nova vida!"
Manuela Aranha conta, também, a história da passagem daquele edifício para as mãos do Governo:
"A proprietária do edifício da Rua 31 de Janeiro, a escritora Maria do Carmo Rodrigues, sabendo que eu procurava melhores instalações (na altura eu era a Delegada do FAOJ na Madeira e o serviço estava sediado na Rua da Carreira, partilhando o espaço com a Direcção Regional do Desporto) propôs-me a sua venda. Quando vi o edifício e o espaço envolvente, rendi-me de imediato, pois vinha exactamente ao encontro do que pretendia: amplo e com óptima localização para a juventude.
Contactei o Dr. Alberto João Jardim que me disse: “Nós não temos dinheiro para as obras”. Ao que lhe respondi: “Eu não quero obras, mas sim o edifício como está”. Ao que ele retorquiu: “Assim já é mais fácil”. Foi uma aquisição amigável, paga em prestações ao longo do tempo.
Passado pouco tempo recebi um telefonema do então Presidente do Governo, Eng. Ornelas Camacho, pedindo para ir ao seu gabinete. Quando lá cheguei tive o grande prazer de ouvir: “Senhora Escultora. Tem aqui a chave do reino”. E nessa noite, eu e o restante pessoal da delegação transferimos os serviços com grande entusiasmo, passando a funcionar de imediato nas novas instalações. Foi um sucesso, pois a sua dimensão e características proporcionaram o desenvolvimento de inúmeras actividades, que não só contribuíram para a formação de mais de uma geração de jovens, como deixou em quase todos uma grata memória que perdura até aos dias de hoje".
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