As euforias são tão más quanto as condenações antecipadas na praça pública. Mas há um processo em curso, que seguirá os seus trâmites, e por isso é exigível prudência.
O exercício do direito à indignação é legítimo quando se sente que "não dá a bota com a perdigota", uma expressão popular para dizer que há qualquer coisa a não bater certo. A investigação do Ministério Público relativamente ao processo de suspeitas de corrupção na Madeira, que levou a três detenções durante 21 dias, detidos sem culpa formada, simplesmente à espera de serem ouvidos num primeiro interrogatório, revelou-se insuficiente segundo o juiz de Instrução, que recusou por duas vezes a libertação para vir agora dizer que não há crime, portanto não havia razão para estarem detidos, ainda por cima 21 dias. O Ministério Público pediu prisão preventiva, a pena mais gravosa, o juiz ordena libertação com a pena mais leve. Não sei quem errou, mas alguém errou, e quem errou deve ter consequências, como é exigido aos políticos no exercício dos cargos públicos.
Mas no meio deste processo, é importante evitar euforias, quer sejam para penalizar pessoas de forma antecipada, quer sejam para iliba-las no que toca a comportamento que podem ter poucas consequências criminais, os tribunais decidirão porque o processo continua, mas do ponto de vista ético e da transparência, existem procedimentos que são reprováveis e têm uma consequência política irrecuperável.
Independentemente da questão jurídica, as escutas, que até prova em contrário, são verdadeiras, podem não configurar qualquer crime, mas apontam para um certo modus operandi da Administração Pública, na generalidade, onde a cunha, o favor que é mais simples do que a cunha, a troca de empregos entre público e privado, os concursos públicos, de contratação de pessoal ou de obras, a troca de ideias sobre os mesmos concursos, têm contornos pouco claros e mesmo que ninguém meta dinheiro ao bolso, funcionam num patamar de cumplicidades que são muito maiores em meios pequenos. As obras podem ser adjudicadas pelo preço mais baixo, mas ter havido cumplicidade entre as partes, com uma responsabilidade comportamental de quem exerce cargos públicos, tem uma exigência maior ao nível da "folha limpa", não só do ponto de vista jurídico, mas do ponto de vista político, do serviço público.
E sempre foi assim, a questão é encontrar provas de corrupção, que houve um ganho visível e apurado. Sem isso, a falta de ética e o amiguismo ainda não são puníveis por lei. Uma coisa é o senso comum de casos que vamos conhecendo ao longo dos anos, alguns bem próximos de nós, outra bem diferente é configurar, do ponto de vista judicial, atos de corrupção puníveis por lei. E como toda a gente se conhece, nada que não se resolva com um telefonema, expediente que a partir de agora será certamente muito mais cuidadoso sem aquela certeza que aqui não chega nada.
É preciso, portanto, muita cautela com as avaliações. Respeitar a presunção de inocência e a decisão dos tribunais, estranhar este escândalo de fazer cair governos por praticamente nada, mas também é preciso termos prudência na avaliação do futuro, as euforias são tão más quanto as condenações antecipadas na praça pública. Mas há um processo em curso, que seguirá os seus trâmites, e por isso é exigível prudência. Até transitar em julgado, torna-se imprescindível que os arguidos possam defender-se, mas essa condição limita, desde logo, o exercício de cargos, quer partidários, quer públicos. Por isso, continua a ser importante uma clarificação de lideranças, no Governo e no partido, no caso o PSD.
A par da avaliação jurídica, o voto é a melhor solução para avaliação política.
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