Correia de Campos abordou o "tropeção" de Marcelo sobre eventual favorecimento na operação de 4 milhões das gémeas luso brasileiras em Portugal. Resta saber como é que podemos sair desta sem consequências para a própria Democracia.
Marcelo Rebelo de Sousa: o "tropeção" do pilar da credibilidade.
"Eu tinha um assessor só para as cunhas. Para filtrar no sentido de não haver injustiças, uma vez que choviam pedidos e cunhas mas era necessário averiguar para verificar se alguma delas permitia corrigir situações".
Esta declaração foi hoje feita, na RTP, por António Correia de Campos, antigo ministro da Saúde, quando num debate abordava a situação relacionada com eventual favorecimento no caso das gémeas luso brasileiras que foram sujeitas a uma intervenção cirúrgica em Portugal com suposta intervenção do presidente da República a pedido do seu filho.
Correia de Campos tem 80 anos e a sua experiência permite-lhe saber do que fala. E deixará porventura uma dúvida no ar relativamente aos governos, nacionais, regionais, locais e também agora a Presidência da República. Como gerem os governos essas cunhas? Que tipo de independência poderão garantir nessa gestão? Haverá cumplicidades e favores que passam à margem por não envolver figuras de destaque? Quantas cunhas passam diariamente pela política e quantas correspondem efetivamente a contrapartidas com ganhos para os dois lados? É bom que esta situação trazida a lume por Correia de Campos possa servir de reflexão para o eleitorado, que se prepara para ir a eleições com o País na ruína institucional. Onde nem o Presidente da República escapa.
O País bateu no fundo quando um Chefe de Estado, conhecido pelos afetos e num momento importante de pilar inflexível, tem uma "argolada" desta dimensão sobre um assunto que lhe foi colocado pelo filho, situação suficiente para que não lhe provocasse lapsos de memória mesmo quatro anos depois dos acontecimentos. Marcelo Rebelo de Sousa era o garante da transparência das instituições, da verdade, a figura de topo do Estado que se permite ter esta vulnerabilidade ao fazer um compasso de espera para só agora revelar que afinal existia uma correspondência eletrónica do seu filho e que despachou para o seu chefe da Casa Civil. Marcelo decepcionou os portuguess e a confiança veio cá para baixo por muito que tente reparar este erro comportamental. Além disso, a distância com que fala do filho, tratando-o por Dr. Nuno Rebelo de Sousa, foi pior a emenda do que o soneto por querer dar a ideia de distanciamento reconhecendo o incómodo do episódio e com essa atitude pretendeu transmitir a sua neutralidade no processo. Mas bastava dizer "o meu filho Nuno" e pronto. Não é para o Presidente dos afetos. Até porque é natural o filho colocar a situação, o que não é natural é a sequência de acontecimentos que conduzem ao resultado que se sabe. O que não é natural é o despacho para averiguar, o que não é natural é ser a Presidência da República a fazer averiguações dessa natureza. E apesar de Marcelo dizer que tratou o caso como trata todos os outros, às centenas, que recebe em Belém, a verdade é que o filho não é igual aos outros e é utópico pensar isso.
O País ruiu pelo Governo e prepara-se para eleições a 10 de março de 2024 num processo conduzido por Marcelo. Mas agora, o Presidente também ruiu e ficou com menos condições para olhar de frente os portugueses. E num quadro em que as instituições estão em causa e nem a Presidência escapa, o terreno apresenta-se fértil para os protestos e para os extremos.
Portugal está com um problema grave de credibilidade nas lideranças. Resta saber como é que podemos sair desta sem consequências para a própria Democracia.
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