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Morreu o padre Martins Júnior

  • Foto do escritor: Henrique Correia
    Henrique Correia
  • há 24 horas
  • 3 min de leitura


Reveja o artigo que Martins Júnior escreveu a 18 de Março de 2025 no seu blogue Senso & Consenso sob o título "40 anos de libertação".




A Diocese do Funchal revelou há pouco o falecimento do padre José Martins Júnior, uma figura incontornável da Igreja madeirense, mas também da política, foi presidente da Câmara de Machico, foi deputado na Assembleia Regional, foi o padre da "terra libertada" Ribeira Seca e manteve um "braço de ferro" com a Igreja e com o então presidente do Governo Alberto João Jardim.

O padre Martins Júnior tinha 87 anos.

Para a História e para a Memória, fica aqui reproduzido o texto que escreveu no seu blogue Senso & Consenso, a 18 de março último, com o titulo "40 anos de libertação":



Faz hoje 40 anos! Foi uma madrugada de Abril em Março quase primaveril. A Páscoa antecipada.

Após 18 dias e 18 noites de ataque de forças governamentais invasoras contra um pequeno aglomerado rural indefeso habitando a periferia serrana de Machico – um atentado russo a um pobre rincão ucraniano – os olhos dessa noite vigilante viram fugir os invasores, armas no coldre, peso e vergonha no coração, vencidos pela coragem e pela disciplina cívica do povo sitiado. Povo, templo, quintal e casa comum.

O cenário terrorista, horda tribal, golpe de mão nocturna, antes que o sol abrisse, já foi descrito vezes sem conta – e múltiplas deverão ser sempre repetidas, para que o mundo não esqueça – tudo aconteceu quando no lusco-fusco da manhã 70 policiais, às ordens do governo regional e do bispo do Funchal, sem mandado judicial, invadiram o adro da Ribeira Seca, assaltaram a residência paroquial e a igreja, de onde sacaram o que lhes apeteceu, inclusive, livros de registo, alfaias litúrgicas, objectos de culto e adereços logísticos.

Felicito o Mestre em Gestão Cultural pela UMa, Severino Olim, por ter assinalado recentemente nas redes sociais e na imprensa diária o rasto viscoso dessa campanha inenarrável, nunca vista em 600 anos da história insular.

Desde o 27 de Fevereiro ao 18 de Março de 1985, o tempo há-de proclamar ao mundo o fosso tenebroso e, sobre ele, a cúpula triunfal da condição humana: o fosso da aliança incestuosa dos dois poderes, o político e o religioso, sem escrúpulo nem pudor. E, em contradição suprema, a cúpula do poder popular (não haja complexo em dizê-lo, porque foi o povo desarmado o obreiro deste triunfo) um poder caldeado no sofrimento de gerações e gerações amordaçadas pelos senhorios e pelos eclesiásticos. Ainda estão por contar os contornos e, sobretudo, a génese desta epopeia que as autoridades e a comunicação social madeirense de então tudo fizeram para esconder e silenciar.

A religião, tantas vezes usada e abusada pelos oligarcas, foi nessa altura um esteio libertador, tendo em conta o êxodo dos hebreus escravizados após 40 anos pelo faraó do Egipto . E no Novo Testamento, a palavra do senador Gamaliel no Sinédrio, cujos juízes se preparavam para mandar matar os apóstolos. Disse Gamaliel:

Não vale a pena, porque se a mensagem desses homens não vem de Deus, ela vai consumir-se por si mesma. Mas se vem de Deus, não há poder que a destrua.

O povo da Ribeira Seca venceu, porque teve resistência, autodomínio e vigilância sem termo.

Merecia digna comemoração uma efeméride desta grandeza. Atendendo, porém, ao momento de barafunda das naturais diatribes eleitorais, não se deva misturar com isso uma luta genuína, tão limpa e verdadeira, pelos valores superiores da dignidade do homem e da civilização.


17-18.Mar.25


Martins Júnior


 
 
 

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