Henrique Correia
As empresas fazem-se com pessoas
Que no meio da crise há empresários que aproveitam o momento para "limpezas internas" e outras habilidades, não temos qualquer dúvida

Não é novidade para ninguém que os aproveitamentos em tempo de crise são bem mais graves do que numa altura considerada normal. O "chico-espertismo", a coberto de uma economia débil, acaba por ser um padrão que já conhecemos, pelos anos que andamos nisto, a ouvir conceitos políticos sobre caminhos a seguir, com dissertações viradas para banalidades que encaixam em qualquer época mais difícil. E já tivemos várias. Confesso que começa a não haver paciência para o discurso político, reconheço que o andar dos anos também retira a margem de tolerância necessária para ver novidade em discursos gastos, em que a dialética tem bastidores e a verdadeira estratégia é definida nesses bastidores.
Um amigo disse-me há dias que conhecia uma empresa que em plena pandemia só fechou durante uma semana e beneficiou do regime de "lay-off". Ou seja, os trabalhadores beneficiaram desse regime e foram trabalhar. A empresa facturou, mas quem pagou aos funcionários foi o Estado. Descansem, esta empresa não é da Madeira, é de Lisboa. Caía o "Carmo e a Trindade" se dissesse que era na Madeira, onde as empresas não fazem disto, os empresários são todos boas pessoas e o dinheiro que o Governo dá é mesmo para proteger os trabalhadores. Deve ser por isdo que algumas empresas que beneficaram de "lay-off" estão a anunciar despedimentos.
Sejamos realistas, sem retóricas gastas do ponto de vista político. As empresas estão, na generalidade, numa situação muito complicada, a economia está "doente" e muitas empresas fecharam e outras vão fechar depois dos apoios. O desemprego, naturalmente, vai aumentar, já está a aumentar. Agora, que no meio da crise há empresários que aproveitam o momento para "limpezas internas" e outras habilidades, não temos qualquer dúvida. E muitos desses têm conhecidas cumplicidades, de topo, numa espécie de troca de serviços. Não é preciso fazer um desenho, pois não?
As empresas são importantes, aqui não há a mínima objeção. São elas que mobilizam a economia, que criam postos de trabalho, que criam riqueza. Mas talvez não fosse má ideia, esporadicamente, falar da importância dos trabalhadores no sucesso das empresas, e isso não impedia os políticos de continuarem a dizer, mais vezes porque já vimos que pendem mais para esse lado, que o lema é ajudar empresas como prioridade máxima. Era bom que as empresas tivessem, como prioridade máxima, a preservação dos postos de trabalho. Sobretudo as que receberam para isso. Mas fazem mesmo?
Esta retórica política/empresarial faz "escola". E pior do que isso, o medo generalizado, da pandemia, de perder o emprego, de reivindicar ser um participante ativo no processo de recuperação, leva a que as pessoas considerem tudo normal, mesmo os maiores atropelos, a pretexto de uma crise efetiva e de um certo "empresariado selvagem" que por aí anda e que se movimenta bem nas benesses disponíveis, algumas delas nem nos damos conta. Ou damos.
Há crise, há uma conjuntura desfavorável e é importante criar condições para que a economia cresça, o que se faz com empresas e com trabalhadores. Podemos falar de resiliência, de economia do mar, de sociedade do bem estar, da diversificação da economia como se, num abrir e fechar de olhos, isso fosse possível.
Mas falem das pessoas, senhores. Das pessoas.