Sem uma legislação que circuscreva os governos às gestões correntes, fica difícil não haver um desequilíbrio das forças em presença. E os governos fazem, legitimamente, o que a lei permite.
Li algumas declarações do representante da Comissão Nacional de Eleições na Madeira sobre as queixas, à volta das sete dezenas, relativamente a situações de suposto atropelo da lei durante a campanha eleitoral para as legislativas regionais deste domingo, sendo que hoje é o último dia de apelo ao voto. O balanço, diz esse representante, é positivo. As queixas, a maior parte, é sobre as inaugurações.
Nesta ponta final da campanha, é importante refletir sobre a CNE, os objetivos que presidiram à sua constituição, a importância como regulador da campanha, os meios que tem, a legislação em vigor e a eficácia dos procedimentos para atuar em tempo útil tendo em vista reparar eventuais atos fora dessa mesma lei. E não é preciso refletir muito para ver que a Comissão Nacional de Eleições, na sua forma, e face à lei existente, é uma "instituição faz de conta", sem qualquer desempenho na regulação. Zero de efeitos práticos. Faz recomendações sistemáticas, que normalmente são inconsequentes. A sua existência é, a exemplo de outros organismos supérfluos, o mero cumprimento de uma formalidade legal, só mesmo para dizer que há uma entidade que pode receber queixas sem ser uma tômbola, que na prática seria igual.
Compete à Comissão Nacional de Eleições:
a) Promover o esclarecimento objectivo dos cidadãos acerca dos actos eleitorais,
designadamente através dos meios de comunicação social;
b) Assegurar a igualdade de tratamento dos cidadãos em todos os actos do recenseamento e operações eleitorais;
c) Registar as coligações de partidos para fins eleitorais;
d) Assegurar a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas durante as campanhas eleitorais;
e) (Revogada)
2
f) Proceder à distribuição dos tempos de antena na rádio e na televisão entre as diferentes candidaturas;
g) Decidir os recursos que os mandatários das listas e os partidos interpuserem das decisões do governador civil ou, no caso das regiões autónomas, do Ministro da República, relativas à utilização das salas de espectáculos e dos recintos públicos;
h) Apreciar a regularidade das receitas e despesas eleitorais;
i) Elaborar o mapa dos resultados nacionais das eleições;
j) Desempenhar as demais funções que lhe são atribuídas pelas leis eleitorais.
Para que possamos melhor entender o que está na lei, aqui vai:
Neutralidade e imparcialidade
das entidades públicas
1. Os titulares dos órgãos e os agentes do Estado, das Regiões Autónomas, das autarquias, das pessoas colectivas de direito público, das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, das sociedades
concessionárias de serviços públicos, de bens de domínio público ou de obras públicas e das sociedades de economia pública ou mista devem, no exercício das suas funções, manter rigorosa neutralidade perante as diversas candidaturas e os partidos políticos. Nessa qualidade não poderão intervir, nem proferir declarações, assumir posições, ter
procedimentos, directa ou indirectamente, na campanha eleitoral, nem praticar actos que, de algum modo, favoreçam ou prejudiquem um concorrente às eleições em detrimento ou vantagem de outros.
2. Os funcionários e agentes das entidades referidas no número anterior observam, no exercício das suas funções, rigorosa neutralidade perante as diversas candidaturas, bem como perante os diversos partidos.
É evidente que neste contexto, de legislação que pode dar para tudo e meios escassos de atuação por parte das entidades regulamentadas, torna-se praticamente impossível penalizar ecentuais atos que pisem o risco do "dever de neutralidade". O que é o dever de neutralidade? Como é que a CNE vai atuar numa zona tão cinzenta quando há formas diferentes de favorecer, apelar sem apelar, avisar sem avisar, pagar o que falta em vésperas de eleições sem haver provas, aoenas possíveis intenções, de uma decisão premeditada para os dias que antecedem as eleições. E isso acontece com o poder regional como o nacional e o do poder local.
As entidades públicas têm a "faca e o queijo" na mão" e não há lei nenhuma que regule a concentração de inaugurações eca forma como se usam as palavras. Quando o presidente do Governo vai a Santa Cruz e diz que o Governo cumpriu tudo o que prometeu com o concelho, que até é liderado por outra força política, não está a apelar ao voto, está a lembrar que o Governo é de confiança e cumpre. É sempre bom lembrar um governo cumpridor quando os partidos desse governo vão a eleições quatro dias depois. Uma questão de dialética e, no caso, o Governo mostra obra, está no seu direito. Nada de mais, mas leva vantagem com essa "legalidade".
Agora, se o princípio de qualquer eleição fosse apenas a gestão corrente das governações a partir da data de marcação das eleições sem decisões sobre apoios, recrutamento de trabalhadores, lançamentos de concursos e outras decisões de futuro, deixando-as para o executivo a eleger no ato eleitoral, aí provavelmente seria reduzida a influência de atos praticados por quem tem o poder e exerce-o com aquilo que a lei permite. Sem uma legislação que circuscreva os governos às gestões correntes, fica difícil não haver um desequilíbrio das forças em presença. Nas atuais circunstâncias, seja quem for que esteja no poder tem vantagem e usa o que a lei permite deixando as linhas que, bem exploradas, têm entrelinhas.
Assim, qualquer regulador está só de corpo presente. A recomendar para não dizer que não faz nada. Uma ação sempre "positiva".
Comments