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Os favorecimentos "legais"

  • Foto do escritor: Henrique Correia
    Henrique Correia
  • 23 de set. de 2024
  • 3 min de leitura



Como um dia disse o empresário Luís Miguel Sousa, naquela comissão de inquérito que teve resultado zero, como não seria de esperar outra coisa, a Madeira é uma Região pequena e toda a gente se conhece.




A ocorrência de processos judiciais na Madeira, particularmente este ano e com incidência especial no Governo e em autarquias do PSD, que como se sabe é o partido responsável pela governação regional há quase cinco decadas, é claro que fragiliza o Governo. Fragiliza este ou qualquer outro Governo, seja onde for, que esteja sob a mesma suspeita. Não vale a pena fazer a chamada "fuga para a frente". Fragiliza. Ponto. Mesmo salvaguardando a presunção de inocência e mesmo que a constituição de arguidos não signifique condenação, que efetivamente não significa.

Depois das detenções que levaram a interrogatório o ex-presidente da Câmara do Funchal Pedro Calado, bem como os empresários Avelino Farinha e Custódio Correia, uma detenção polémica de três semanas, surge agora outro caso de detenção do presidente da Câmara da Calheta, Carlos Teles, do ex-secretário da Agricultura Humberto Vasconcelos, do presidente do IASAÚDE Bruno Freitas, dos empresários Humberto Drumond e Miguel Nobrega, da Dupla DP, além das funcionárias Daniela Rodrigues e Cecília Aguiar. Um conjunto que só pode fragilizar a imagem dos políticos junto da opinião pública, o mesmo acontecendo com a governação, por muito que se oculte esta consequência.

Mas o que me traz hoje a esta reflexão prende-se muito mais com os expedientes, com as cumplicidades e com a ética do que propriamente com as questões que porventura possam estar "feridas" de ilegalidades e que, por via disso, possam ser alvo de investigação, de prova e de suposta culpa. A Justiça está a tratar do caso, esperemos que tenha competência sem atropelar direitos.

Na verdade, a ação política tem contornos muito complexos, que na essência são transversais a qualquer poder, a qualquer governação, mudando apenas nos protagonistas e nas fórmulas utilizadas para atingir os objetivos ou os propósitos que encaixem, por exemplo, em perpetuar políticos no poder e em criar, à volta, uma "entourage" forte para sustentar essa "sobrevivência" alimentando egos e influências. A contratação pública é um exemplo de topo dessas cumplicidades, sem que isso deva representar ilegalidades, entendendo ilegalidades como incumprimento de concursos, de procedimentos, de vistos, de regras que eventualmente pudessem colocar em causa a "papelada" legal que sustente um qualquer acordo ou uma qualquer conversa de gabinete para acertar uma hipotética reciprocidade de interesses.

Sempre que ocorrem estas operações judiciais e sempre que os despachos expressam uma investigação e percepção do Ministério Público sobre conversas e decisões, reportando uma intenção de favorecimento, os poderes apressam-se com esclarecimentos públicos no sentido de garantir o cumprimento dos procedimentos legais para o que é tido como suspeito. E se analisarmos, sem mais observações, quem esclarece tem razão. Os contratos públicos sob suspeita podem ter sido legais. As intenções estão num outro patamar, é outra questão. A intenção pode ser a cumplicidade, o favorecimento e a troca de "favores", mas os concursos podem ser formalmente legais. E na maior parte das vezes, são. E acontece com as obras, nos montantes, na divisão de fases, nos ajustes por influência de mercado, acontece nos serviços onde o ajuste direto é permitido, mas também nos funcionários, com concursos à medida do que é pretendido por eventuais acordos ou as tradicionais "cunhas", aqui sendo quase uma instituição de décadas, tem a vida da Autonomia.

E às vezes, as explicações são tão primárias e ridículas, fazendo crer que é impossível haver favorecimentos claros a empresas através de procedimentos legais. Quando é possível. A questão será sempre a mesma: a adjudicação sistemática a uma empresa, apesar de legal, deixa dúvidas pela sucessão de contratos? Essas dúvidas podem resultar em crime só pela dúvida sobre uma intenção? Haverá meios de investigação que provem o favorecimento que parece claro por contratos legais? Alguma ponta solta? É aqui que a Justiça entra com maior responsabilidade para a "montanha não parir um rato".

Se num determinado contexto, como ocorreu na pandemia, por exemplo, a legislação permite medidas especiais justificadas com a Saúde da população, entre elas a possibilidade de acelerar procedimentos com ajustes diretos do Governo, e por via disso há uma empresa que presta serviços em série com suspeitas de favorecimento em função das ligações entre empresários e governantes, estas decisões são suscetíveis de uma investigação. Mas não necessariamente no âmbito criminal se a legalidade for mesmo cumprida com os requisitos que tanto as emoresas como o Governo sabem muito bem e que volta a dar.

De facto, a contratação pública tem muito que se lhe diga. E como um dia disse o empresário Luís Miguel Sousa, naquela comissão de inquérito que teve resultado zero, como não seria de esperar outra coisa, a Madeira é uma Região pequena e toda a gente se conhece.

A diferença é que uns são mais conhecidos do que outros...


 
 
 

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